quarta-feira, 7 de março de 2012

As Viagens de Nadja - II - A Viagem do Medo ou O Dia em que Quase Fui Presa

Julho do longínquo ano de 2004. Foz do Iguaçu - São Paulo de ônibus. Programão. Passagens compradas de uma empresa famosa, respeitada. Quinta, 20h30. Ônibus convencional. Que merda, mas fazer o quê. 

Quando nos aproximamos do busão, eu e minhas amigas, as queridas primas Karen e Chiara, começamos a rir um pouco nervosamente: as caras dos que seriam nossos companheiros de viagem eram um tanto estranhas. Homens com caras e atitudes suspeitas, mulheres com caras e roupas de damas de "vida fácil". Mas ainda mais estranha era a quantidade de bagagem que cada um deles trazia. Sacolas xadrezes enormes, que se vendem aos montes em Ciudad del Este. Vocês podem imaginar pra quê elas servem, né? Transporte de muamba, claro. E várias outras malas e sacolas suspeitíssimas.

Ok, um busão dominado por sacoleiros. Deixa quieto...

Embarcamos.

Quando sento e tento deitar o banco, descubro que meu assento estava quebrado. Ele deitava, mas não ficava na posição. Se eu desencostasse, ele subia de novo. Maravilha!

No início da viagem o ônibus parou em várias cidadezinhas mais ou menos próximas umas das outras. Ele deve ter feito umas quatro ou cinco paradas, bem pinga-pinga, mesmo. Na primeira parada, alguns dos passageiros do nosso busum desceram e, com a ajuda de um grupo grande de pessoas que os estavam esperando, embarcaram mais "sacolas". Na segunda parada, surpresa!! O mesmo "grupo grande de pessoas" estava lá! E dá-lhe muamba! Na terceira parada, adivinhem: isso mesmo! O grupo! Mais muamba! Eles estavam seguindo o ônibus! Que tranqüilizador.

A certa altura, o ônibus foi parado pela polícia. Dois policiais subiram e fizeram uma revista. Olharam as sacolas que caíam pelo bagageiro acima dos bancos, algumas que deixavam ver claramente centenas de capas de celulares e outras bugigangas. Fiquei meio com medo, sei lá. Perguntei a um deles se aquilo era uma operação de rotina ou se eles estavam desconfiados de algo, e ele disse "é de rotina. Por quê, vocês sabem de algo"?? Não, não, seu guarda, imagina!

Eles pegaram um dos moleques sacoleiros (que no começo da viagem conversava com outros, "quem é seu patrão?") e o fizeram descer com as sacolas que levava. Um tempinho depois, ele voltou e o ônibus seguiu viagem.

Logo depois, plena madrugada, paramos em um centro de encomendas da empresa. Seguramente não era uma parada programada. Quem sobe?? Integrantes do "grupo" das outras paradas! Com mais muamba!!!! O menino que havia sido "interrogado" desceu, e subiu outro no lugar dele.

Continuamos. Nisso já era uma hora da manhã e nós já estávamos extremamente incomodadas com a situação. Ainda por cima, dois integrantes do bando falavam alto, próximos da gente, sobre um churrasco, não sei quantas picanhas na casa de fulano. "Karen, vou pedir pra eles falarem mais baixo". "Meu, você que sabe, eu não faria isso".

Falo com a voz mais doce e educada possível: "por favor!"

Assim que acabei de pronunciar essas duas palavras, me arrependi. Um deles, que depois vim a descobrir que era o chefe do bando, me olhou com uns olhos injetados, um olhar de "que que foi aí" de paralizar qualquer um. Como quem tá na chuva é pra se molhar, respirei fundo e continuei, com a voz ainda mais doce: "vocês poderiam falar um pouquinho mais baixo, que nós estamos tentando dormir?"

"Porra, até falar tá incomodando agora?"

"Obrigada, obrigada". Me calei para sempre. E obviamente eles não pararam de falar.

Não conseguia pregar os olhos. A Karen dormiu, embora ás vezes acordasse para reclamar, e a Chiara já estava no vigésimo quinto sono, como se estivesse na Cama dos Sonhos da Barbie.

Estava preocupada com as minhas coisas, com medo de que alguém as roubasse. A porra do banco não parava e eu não ousaria tentar sentar em algum outro lugar. Pelo menos eu tinha meu discman (faz tempo, gente) com o fone novo que eu havia comprado no Paraguai.

Quatro horas da manhã, outra parada. Olho pela janela e vejo policiais ao redor do ônibus. Um deles sobe e diz algo que nós, que estávamos no fundo, não ouvimos. Só ouvi que terminava com "mercadorias". Ninguém disse nada, e ele, já no fundo do busão, continuou: "pela resposta, sim, né?" E já na parte da frente: "tá todo mundo preso. Vocês serão levados para a delegacia blá blá blá de Maringá".

Ah, que alegria. Eu, que nunca fiz nada a ninguém, presa. Quer dizer, uma vez, no colégio, eu já era grande e roubei o lanche Mirabel de uma menininha pequena, que o havia deixado em um banco enquanto tirava outras coisas da lancheira. Mas me arrependi na hora, juro!

A Karen já queria descer, "eu sou advogada", e a Chiara ainda na Cama dos Sonhos. Mas na mesma hora o chefe do bando e mais alguns desceram para "bater um papo" com os guardas. Karen ainda se levantou de novo, mas um deles disse "é melhor não descer, eles já estão arranjando tudo".

Bom momento pra falar do chefe, aliás. Gordinho, atarracado, moreno. Pouco cabelo, aqueles olhos injetados. Sabem quando aparecem no Fantástico as fotos 3x4 de uns assassinos, chefes do tráfico, que foram presos ou estão sendo procurados? Eles não tem mais ou menos a mesma cara? Então, ele era assim.

Passado quase uma hora, eles voltam. Um dos que haviam descido, que depois eu vim a descobrir que não era sacoleiro, diz á sua acompanhante: "eles puseram 1000 reais na mão dos caras". Que ótimo. É bom se sentir protegida. Agora podemos seguir viagem tranqüilamente.

A cada parada, eu levava todos os meus pertences. E evitava olhar na cara de qualquer um dos nossos companheiros de viagem, por via das dúvidas.

A Karen, numa das paradas, ainda disse alguma coisa para o fiscal da empresa. "Como está sendo a viagem?" "Péssima". Mas ele disse que era assim mesmo, que quinta é o dia em que os contrabandistas viajam. O que nos revoltava era: por quê eles não avisam? Se é algo tão sabido, como ninguém faz nada?? Porque era óbvio que o(s) motorista(s) estavam mancomunados com eles, o que deveria ser motivo de punição ou até demissão.

Foram 16 horas de tormento. Não dormi nada, o ônibus era uma merda e nem vou falar de novo dos outros passageiros. Quase todos faziam parte do bando, menos nós e dois casais, acho. Ficamos de escrever pra empresa, reclamar, fazer o cacete a quatro. Mas o tempo foi passando, a gente foi desencanando, e tudo acabou em nada.



Viagenzinha safada, essa, viu? Mas valeu por ter estado com as meninas, por ter visto as Cataratas e por ter ganho um autografo do Wando (que Deus o tenha) da Chiara que eu guardo até hoje. 


Nem tudo é Grécia nessa vida, né?


Fotinho das Cataratas tirada nessa viagem: 


4 comentários:

  1. Jajaj! Bue-ni-si-mo Nadja! Sigo tu blog cada vez que puedo y me divierte muchisimo y esta super bien redactado todo. Que aventura Foz-SP!! Genial! Un beso!

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  2. Nadja!!!!! Socorro, que furada!!! haha
    Ai, sei mt bem como é viajar e ver pessoas dormindo como se esitvessem na cama da barbie... eu NUNCA consigo dormir, e tenho que viajar 2x por mês à trabalho :( Tenso!

    Beijos,
    Nati

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  3. HAhahaha Nadjones meu deus parece uma cena de filme dos irmãos Cohen. Muito bom! (quer dizer, agora né que virou anedota) rsrs Bjs, Deborix

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  4. ahahah... Menina, vc lembra tudo em detalhes! O que tenho mais dó é que vc foi me acompanhar...pq poderia ter ido de avião... Mas a aventura ou experiência sei lá eu foi válida para nos lembrarmos sempre do seguinte: na 5º f a noite não d´pa pra pegar o busão de Foz p/ SP...rs Menina, ainda me lembro que o Seu "Gualda" abriu minha mochila e perguntou o que ra tudo aquilo e eu: Alfajor...rs FIcou pra história! NAdjão, obrigada por ter me acompanhado! Isso que é amizade!

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Desembucha!