sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Zen paciência

Até que ela desmaiou no meio da festa de um lançamento importante. O circo pegando fogo, teve briga de mulheres, cadeira faltando, a cobra fumando, banheiro quebrado, manobrista arranhando carro e ela, que era a maior responsável pelo evento, não aguentou o tranco. Caiu de vestido e tudo, de saltão e tudo, no meio de uma discussão.

Foi parar no hospital. Diagnóstico: estresse. Ela sempre dizia que estresse é para os fracos enquanto seguia na sua rotina desenfreada. Não conseguia dormir direito com as palpitações e o nervoso. Comia qualquer coisa pela falta de tempo e disposição pra cozinhar. Era o dia inteiro atendendo os dois celulares, indo de um lado pro outro, resolvendo problemas, e de noite ainda tinha que ir a eventos e festas. Essa vida de promotora de eventos não era fácil, mas ela gostava da agitação, da badalação, e principalmente de mandar nas pessoas. Faz isso! Faz aquilo! Preciso disso pra ontem, viu? Pra on-tem! Ela se sentia bem com esse pequeno poder, mas parece que o corpo dela resolveu protestar e na pior hora, tipo greve de aeroviário na véspera das festas.

Férias forçadas e a recomendação de diminuir o ritmo e se cuidar mais. Que saco, né? Mas vai ver que ela tinha que fazer isso mesmo, se não poderia passar de novo essa vergonha de desmaiar no olho do furacão, na frente de todo mundo. Coisa mais ridícula, coisa de fracos. Mas ela ia pelo menos tentar.

- Ai, amiga, eu tô fazendo yoga três vezes por semana, uma delícia! Relaxa que é uma coisa! Por que você não tenta? - disse uma amiga dela, que devia relaxar porque não tinha porra nenhuma pra se preocupar mesmo, já que era o benhê que pagava as contas no fim do mês.

E lá foi ela pra um instituto perto de casa com um nome hindu impronunciável. Se irritou por não conseguir nem falar o nome do lugar.

Já no caminho ela se irritou com a calcinha que insistia em entrar nas partes pudendas. E se irritou com ela mesma por ter colocado essa calcinha. E também com o motorista que quase a atropelou em um cruzamento. A porta do tal instituto estava meio emperrada e ela ficou horas (um minuto e meio, mais ou menos) tentando abrir, já estava a ponto de chutar aquela merda.

Mas ela estava ali para relaxar, afinal. Segundo o médico, ela precisava disso. Respirou fundo e entrou. Se irritou com o cheiro de incenso, daqueles que entram na alma pelas narinas. Se irritou com o brinco de mandala de crochê da professora, e se irritou mais ainda pelo fato de a professora ser tão magrinha e sorridente. "Vamos começar, pessoal?"

Respirou fundo de novo. Vai ver que aquilo ia fazer bem mesmo pra ela. Ela só tinha que colaborar. Inspira...expira. Alongando, inspira... meu Deus, essa calcinha. E não tem como tirar ela dali. Inspira... expira. Isso, agora vamos começar com o ... o quê? Como chama? Nossa, como é isso? Meu pé não chega até lá, não. Pelo amor de Deus. E está todo mundo fazendo, menos eu. Coisa ridícula. E todo mundo calmo, concentrado, essa paz... Aaai, não consigo... grrrr eu sempre consigo o que eu quero, mas não chega... aaiii...

Nem respirar fundo ela pôde. Viu que estavam todos de olhos fechados e escapuliu rápida e silenciosamente. Agradeceu à recepcionista de longe, balbuciou algo sobre dor de barriga e foi embora. Depois ela veria o que fazer com a matrícula.

Na volta, resolveu parar na padaria para comprar cigarros. E reparou que na pequena academia ao lado estava escrito, em letras garrafais: BOXE. Boxe!! Dar porrada mesmo que fosse em um saco de areia, gritar quanto quisesse, socos e mais socos? Era disso que ela precisava!

Foi se matricular na mesma hora. Na primeira aula estourou um saco de pancada. O professor gritava na orelha dela, vai! isso! E ela urrava e dava porrada.

Saiu de lá levinha, levinha.

Virou outra pessoa. Ela continua trabalhando 14 horas por dia. Só resolveu comer mais salada e se desfazer de um dos celulares. E três vezes por semana, religiosamente, lá estava ela no boxe. O pessoal até achou que ela tinha arrumado um namorado novo, de tão tranquila e sorridente que ela andava. É que não tinham visto ela na aula, senão iam entender pra onde foi todo aquele GRRRRR.

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